Eu posso ser o Seu Demônio.

A Bailarina me disse que a Briza disse a ela: "Escrever é desenhar o que se sente..." A Briza estava certa!

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Location: Recife, PE

Tuesday, July 24, 2007

Ângela's

“E o carro arrancou, deixando visível somente o rastro de poeira acinzentada e densa.” Foi assim que decidi terminar mais um dos meus contos policiais medíocres. Minha cabeça latejava e os olhos ardiam como um castigo. O tempo divagou e ainda eram nove da noite. Não consegui pensar em um final melhor com todo esse barulho nas ruas. Como nota mental prometi reler o conto e bolar um desfecho mais criativo depois, mesmo sabendo que seria um martírio. Ando num inferno criativo e já estou a ponto de enlouquecer com isso.
Nunca fui de me cobrar quando minha mente não cuspia idéias relevantes para minhas histórias, mas agora era diferente. Com um contrato numa revista semanal tinha a obrigação de escrever ao menos dois contos por semana para que a editora escolhesse um a ser publicado. Condição essa que não estava mais suportando, pois nunca tive problemas com bloqueio mental e não sabia como lidar com essa praga.
Durante uma hora e meia perambulei pela casa só de me de meias, escorregando os pés na cerâmica lisa. Esse sempre foi meu passa-tempo predileto. Alguns bebem, outros se masturbam, eu gostava de andar só de meias pela casa para relaxar, mas a dor de cabeça não passava e a cabeça martelava outros problemas infames. Foi quando o telefone tocou. Não atendi, poderia ser alguém indesejado, aliás, naquele momento qualquer pessoa seria indesejada. Esperei cair na secretária eletrônica.
Olá, aqui e da casa do Mauro, agora não posso conversar. Esse aparelho vai emitir um piii, deixa teu recado logo após ok?! Piii... Mauro sou eu, Ângela. Tenho pensado muito na gente. Não deveria ter sido assim, sabe? Ainda te quero. Um beijo.
Não senti a mínima vontade de atender ou de retornar a ligação. Ângela era uma mulher linda e inteligente com quem eu namorei por dois anos, mas a relação acabou ficando muito séria pro meu gosto. Ciúmes e possessividade foram os principais motivos para eu ter dado um basta nessa história. Assim como o meu conto, não foi um final dos mais criativos. Não sei direito o que sinto por ela e talvez eu possa me arrepender de ter feito isso. Me recusei a pensar no assunto, mas essas coisas são como um apelido indesejado que colocam em você, quanto mais você retruca mais ele pega. Dito e feito. Passei mais um bom tempo tentando me distrair. Coloquei um disco dos Doors, mas boa parte das músicas me lembrava Ângela. Analisando friamente, quase tudo no meu apartamento me trazia uma lembrança dela e essas lembranças iam aderindo em mim cada vez mais. Os objetos na estante, os discos de Vinicius, o incenso de ópio que eu adorava... Foi ai que me veio à vontade de ligar pra ela, ouvir sua voz, convida-la pra fazer amor pelo telefone. Me senti ridículo tentando superar a saudade com um momento de prazer mórbido que talvez só piorasse as coisas.
As paredes me sufocavam e me levaram a sair de casa às onze da noite, coisa que eu nunca faço. Peguei um táxi que seguiu sem destino certo. O rádio estava sintonizado numa estação tipo Antena 1 e tocava um flashback dos anos 80. Me senti um pouco mais tranqüilo observando a cidade que passava rapidamente diante dos meus olhos. Reparei que o taxista me olhava constantemente pelo espelho retrovisor então decidi parar quando ele passava pelo centro.
Já não havia muita gente nas ruas e a cidade se apresentava hostil com quem andava por ali. Talvez só eu percebesse isso, pois naquela rua só havia bêbados punks e putas. No fim da rua havia um bar chamado “Ateu”, gostei do nome e decidi entrar.
O ambiente contrastava com o meu visual nerd. Todos ali pareciam estar fantasiados. Jaquetas de couro e cabelos moicano eram a ultima moda no local, mas incrivelmente o som ambiente era um blues, o que me agradou de cara. Sentei numa das mesas de madeira nos fundos e pedi uma cerveja. Esperei observando os detalhes do lugar. Era um pub à brasileira, com sinuca e fliperama, mas tudo bem meia boca.
Depois da segunda cerveja eu já estava totalmente adaptado ao ambiente. Aqueles adolescentes cheios de piersings e tatuagens já não me causavam receio e até reparei que havia algumas garotas interessantes. Me arrependi de não ter telefonado para algum amigo, convidando-o para beber e conversar. Nunca fui de beber sozinho.
Fiz sinal para o garçom, pedindo mais uma. Não demorou para trazer. Disse a ele que ficasse de olho na mesa, ia mijar e voltava logo. O banheiro era um cubículo fétido, cheio de desenhos e pichações. Nenhuma surpresa. Mijei de olhos fechados curtindo o prazer do momento. Ao terminar olhei para o meu pinto despejando as ultimas gostas. Estava murcho e sem graça, rodeado de pelos enormes que Deus sabe quando foram aparados. Ah Macgyver eu queria te tratar com mais carinho, te dando comida todos os dias, mas isso é uma coisa que não depende só de mim, amigo. Macgyver é o nome do meu pinto. Batizei-o inspirado no protagonista de uma série americana dos anos 80 chamada Profissão perigo. Vocês bem que devem se lembrar. Acho que esse nome tem tudo a ver com ele, pois não consigo trepar com camisinha o que torna o trabalho do meu amigo desossado uma profissão de risco.
Ao sair do banheiro notei de longe que a minha mesa estava ocupada. Era uma mulher sozinha. Caminhei lentamente a fim de encontrar o garçom no caminho e transferir a responsabilidade para ele, mas ele parecia ter evaporado. Me aproximei lentamente simulando certa distração. Me desculpe, eu estava sentado aqui, só levantei para ir ao banheiro. Ela estava de cabeça baixa acendendo um cigarro e demorou um pouco para demonstrar reação. Fiquei pensando se não fui um tanto rude com as palavras. Ela levantou seu rosto e me olhou sorrindo. Achei muito interessante seus traços orientais, cabelos muito escuros, longos e lisos e rosto afilado. Não tinha uma cara chata e redonda que a maioria das orientais tem. Ai desculpa, é que o bar ta lotado, sentei aqui pensando que você tinha ido embora. Agora vou penar pra achar um lugar pra sentar.
Me agradava muito à possibilidade que o acaso me dera de me unir àquela garota para conversar, flertar e quem sabe até por o Macgyver em mais uma missão arriscada. Mas a minha timidez me impedia de propor que dividíssemos a mesma mesa, então fiquei sem ação, com uma cara de “e agora?”. Foi aí que ela tomou a iniciativa, dizendo que só iria tomar um drink pra relaxar depois do trabalho. Perguntou se era muito incomodo pra mim que sentássemos juntos, com um sorriso irresistível no rosto.
Sentei ao seu lado meio temeroso, pois não queria demonstrar que estava altamente satisfeito com aquela condição. Enchi meu copo e ofereci-lhe cerveja. Ela negou simpaticamente, dizendo que o garçom estava vindo com seu Martini. Não demorou e ele trouxe o Martini servido numa taça afunilada com um guarda-chuvinha. Quando saia olhou pra mim com um sorriso sacana, demonstrando que percebeu toda a situação, o que me levou a desconfiar que até pudesse ter responsabilidade pelo acontecido. Não resisti e retribuí com uma piscadela.
Antes que o silêncio se tornasse insuportável ela começou: Nunca te vi por aqui antes. É a primeira vez que você vem aqui, certo? Sim, entrei aqui por acaso. Gostei do nome do bar. Terminei a frese com um sorriso amarelo de vergonha, ela poderia ser religiosa e essa seria a minha primeira bola fora da noite. Também acho bem descolado esse nome. Dar um ar comunista no ambiente. Concordei com a cabeça. Então você freqüenta o local há muito tempo? Perguntei. É eu trabalho por aqui. Sempre que posso venho aqui pra relaxar. Aqui sempre toca música boa e o pessoal apesar de se vestir estranho é super tranqüilo.
Uma oriental comunista que bebe sempre depois do trabalho e curte blues, me parecia muito bom para ser verdade. A conversa começou a fluir com mais facilidade e aos poucos fui me soltando, também pela influência do álcool. Ela vestia uma blusa branca grudada no corpo que marcava o formato do seu sutiã meia taça e uma mini-saia de couro preta, muito sexy. Sempre que ela vacilava, eu passava a vista em suas coxas. Eram brancas e bem torneadas, uma delicia de se ver.
Demorou até que veio a pergunta clássica: O que você faz da vida? O tipo de pergunta que as pessoas fazem pra saber se você tem grana ou não, se merece respeito ou desprezo. Apesar dela ser uma graça não pude evitar o sarcasmo. Bem, eu faço tanta coisa. Penso, ando, durmo, transo, bebo, escrevo contos pra uma revista semanal entre outras coisas. Ela foi sagaz e me surpreendeu em duas coisas: não deu a mínima para a palavra “transo” que coloquei no meio dos meus afazeres de propósito, só pra ver a sua reação e percebendo que eu era escritor foi logo ao assunto grana sem rodeios. Eu sempre admirei quem tem o dom de escrever, mas, aqui pra nós, isso da grana bicho? Dei um longo gole na cerveja a fim de adiar pelo menos por alguns instantes a resposta. Vou ser sincero, nunca tive o sonho de escrever profissionalmente, nunca me vi lançando livro e dando palestras mundo a fora não, talvez por isso esteja satisfeito com o retorno financeiro que a literatura me da. Não sou formado em letras e escrever pra mim sempre foi um prazer, considerando isso, me sinto bem feliz por viver do que gosto de fazer. Dei outro gole longo na cerveja, satisfeitíssimo com o meu desempenho. Ela sorriu confirmando meu êxito. Deu-me um beijo no rosto e disse: pera vou ao banheiro.
Macgyver é hoje!! Puta merda, tirei a sorte grande! Nessas horas eu tendo a acreditar que esse lance de destino existe mesmo. Em circunstâncias normais eu nunca entraria num lugar como aquele, a vida é uma comédia mesmo. Tomei nota mental, reparar em seu corpo quando caminhasse de volta a mesa. De fato era linda, mais ou menos 1, 68 de altura e com um andar muito feminino. O jeito de andar é tudo pra mim.
Sentou-se e prendeu os cabelos deixando a mostra seu pescoço. Tinha um símbolo que supus ser japonês tatuado. O que significa? Perguntei. Prazer! Ela disse. Acariciei o símbolo sentindo sua nuca morna. Ela se agitou quando ouviu que tocava uma música da Billie Holiday. Isso merece um aditivo! Colocou a mão dentro da bolsinha de couro e tirou um baseado. Você curte? Eu não fumava desde os tempos de colégio, mas estava disposto a tudo naquela noite. Disse que sim, então ela acendeu.
Ela fumou um pouco e passou pra mim. Dei uma tragada potente e me lembrei da coisa que eu mais odiava na maconha, que eram as crises de tosse. Soltei toda a fumaça, tossi bastante até os olhos lacrimejarem. Ela soltou uma tremenda gargalhada, me fazendo sentir como um adolescente babaca. Deu vontade de me enterrar num buraco e nunca mais vir à tona.
Você conhece a “Peruana”? Respondi que não em meio às tosses. Eu dou um trago e solto direto na sua boca, assim você faz a cabeça e não vai tossir mais. Quer tentar? Respondi que sim com a cabeça, mesmo sem ter certeza se queria de verdade aquilo. Ela deu um longo trago, levou as mãos em forma de concha a sua boca e encostou na minha. Nossos lábios estavam separados somente pelas suas mãos. Eu podia sentir o seu perfume doce e o ritmo da sua respiração enquanto a fumaça divina adentrava os meus pulmões me trazendo uma sensação de paz absoluta. Aos poucos suas mãos foram desobstruindo o caminho que separava os nossos lábios e o contato foi se transformando em um beijo lento, macio e molhado.
Nossas línguas pareciam intimas, pois se moviam com tamanha sincronia, dançando juntas ao som do jazz. De quando em quando ela mordia de leve o meu lábio e o beijo rasteiro foi ficando mais profundo e agressivo. Acariciei com a ponta dos dedos as suas coxas enquanto ela me alisava as costas por debaixo da camisa. Coloquei a mão lentamente entre as suas pernas que se abriram amigavelmente e então fui me aprofundando até tocar o seu clitóris por cima da calcinha úmida. Ficamos assim por um tempo nos acariciando até que ela me apertou e eu pude sentir um leve tremor de suas pernas. Sua língua nesse momento foi fundo dentro da minha boca, então me abraçou forte com a cabeça encostada no meu ombro. Pareceu adormecer por cinco minutos inteiros.
Depois disso não houve dúvida. Pagamos à conta e pegamos o primeiro táxi com destino ao meu apartamento. Fomos o caminho inteiro nos beijando com fervor. Ela ria e continuava mais empolgada ao notar a expressão de espanto do taxista com cara de judeu.
Nem deu tempo de passar o pega-ladrão na porta e ela já foi me arrancando a camisa. Soltei as chaves no chão e ocupei as minhas mãos com as suas nádegas macias e fartas. Arrancamos mutuamente nossas roupas, sedentos por um contato direto dos corpos. Deitei-a no tapete da sala de estar, lambendo seu pescoço suado e acariciando seu clitóris levemente com o meu pênis. A vontade de consumar o ato perdeu para a curiosidade de explorar o seu corpo milímetro por milímetro, então desci mais e lambi carinhosamente seus seios. Eram perfeitos, cabiam perfeitamente na palma da minha mão. Os mamilos eram pequenos, mas proeminentes. Fartei-me nessa que era a minha parte preferida do seu corpo.
Tive a idéia de experimentar uma técnica oral que desenvolvi com Ângela e que ela ficava louca toda vez que eu a colocava em prática. Então desci lentamente até a sua vagina dando um profundo e molhado beijo de língua, fazendo com que o seu corpo se contorcesse liberando um gemido rouco, depois parti para as periferias, lambendo a virilha, as coxas e a barriga, sempre de tempos em tempos ameaçando um outro beijo profundo em sua vagina. Às vezes encostava minha boca a um centímetro do seu membro e a fazia sentir a minha respiração ofegante a ponto dela implorar por outra chupada, mas a técnica consistia em não ceder a esses apelos até o momento crucial. Então no momento certo enfiei minha língua dentro dela, fazendo-a liberar um gozo pleno. Agora sim, Macgyver tinha o Japão inteiro para explorar à vontade. E assim foi até as cinco da manhã quando pegamos no sono, satisfeitos.
Acordei com a luz do sol no meu rosto. Levantei sem norte, mas logo percebi que estava só. Examinei os outros cômodos para ter certeza e de fato ela já havia partido. No espelho do banheiro encontrei uma mensagem curta escrita com batom vermelho:

“Bom dia meu lindo, adorei a noite, mas infelizmente acho que foi a nossa primeira e única juntos. O que fiz com você ontem normalmente faço por dinheiro. Com você foi diferente, mas prefiro não me envolver. Se cuida. Beijos da sua Ângela.”


Ao final da mensagem não sabia se ria ou se chorava. Havia me apaixonado por uma prostituta com o mesmo nome da mulher que eu estava me fodendo pra tirar da cabeça. Ao final das contas acabei trocando uma Ângela por outra. Geralmente costumo ser passivo a essas condições que a vida me impõe e dessa vez não foi diferente. Ao menos me surgiu uma ótima idéia pra o meu próximo conto, onde um “serial killer” estupra e mata mulheres. O curioso é que todas tinham o mesmo nome, Ângela.

Tuesday, June 12, 2007

Manhã de inseto.

Dizem os livros que todo homem, seja ele cristão ou pagão, possui um lado místico. Eu nunca duvidei disso.
A porta do meu quarto se abriu sozinha. Pela fresta eu podia ver o espelho pendurado, refletindo o verde-lodo do corredor e ao fundo o Picasso na parede da sala. Meus olhos ainda tinham vontade própria e adormecer novamente seria de fato inevitável.
Sonhei com não sei o quê, mas o sentimento de culpa me dizia que não fora um sonho bom. Levantei. O chão estava demasiadamente frio, contrastando com o sol brilhante que invadia toda a casa. Pus os pés no corredor e... Bom dia! Me cortei com um caco de vidro. Um copo quebrado, vestígios da noite passada da qual não me lembro de nada. Caminhei do corredor até o banheiro observando o rastro de sangue vivo. Pensei em não limpar mais. O sangue fresco tem uma coloração única, mas quando seca se torna apenas um tom de vermelho opaco. Morto. Decidi limpar o sangue ainda respirando.
A sala estava em perfeita ordem. O espírito da noite passada estava manso, certamente sedento por repouso e escuridão. Lá fora um som tranqüilo como música clássica. Era a manha do domingo, espalhando o zumbido dos ventos pelo bairro inteiro.
Na geladeira não havia mais do que dois ovos, um copo de leite e um pão árabe gelado. Café da manhã. Completei com um copo d’água e o cigarro de lei. Fumei, observando o comboio de formigas que escalava a imensa pilha de pratos sujos, numa procura nervosa pelos restos de comida.
Odeio insetos. Certamente o que mais me incomoda nesses pequeninos não é a sua aparência repelente e sim a sua luta incessante por sobrevivência. Enquanto os donos do mundo aqui em cima se matam por um big big, o mundinho lá embaixo parece outro, onde uma pilha de pratos sujos significa uma puta situação.



Seria um dia incrível, cheio de tempo livre e inspiração. Ah se meu corpo também pensasse assim. Em contato com a luz, minha cabeça latejava e a minha miopia parecia ter aumentado uns três graus.
O caminho de volta ao quarto parecia infinito. Olhei meu corpo nu no espelho e sem roupas eu conseguia a proeza de ficar ainda mais feio. Pele, ossos e pelos. Uma triste figura.
Novamente o quarto. Apertei o botão vermelho do controle remoto e só. Assisti a mossa do Padre Marcelo, imaginando como seria o domingo de uma formiga escalando uma pilha de pratos sujos.

Monday, February 12, 2007

O caso do vendedor de feijão.

Já faz dois anos desde que a favela do Iraque ganhou o título de vila. A vila do Iraque era diferente das outras vilas por onde Emanuel passava. Ele observava as casas bem pintadas, com jardins floridos e cercadas por muros baixos, que se encontravam na Vila Tamandaré ou na Vila Cardeal e Silva e se perguntava por que na Vila do Iraque não era daquele jeito.
Ele tentava se enganar ao chamar aquele lugar de vila. Na verdade ele sabia que aquilo não passava de um título que um político qualquer deu a comunidade só para ganhar votos. Emanuel era pobre, mas não era burro. Com efeito, não havia vila alguma ali. Barracos, bocas de fumo e pessoas miseráveis, como Emanuel, pintavam a realidade daquela favela.
O barraco onde viviam Emanuel, sua esposa e os dois filhos do casal, Pedrinho, de nove anos e Cecília, com apenas seis meses, era muito pequeno e escuro. Coberto de lona preta, não tinha janelas, só uma portinha estreita que se fechava apenas na hora de dormir. Todos dormiam juntos em finos colchões estendidos sobre o cão de terra batida.
Emanuel não tinha muitas posses, além da TV de quatorze polegadas e um fogãozinho de duas bocas, só lhe restava à velha bicicleta barra circular que lhe servia de transporte para onde quer que ele fosse. Sem emprego, coincidentemente desde quando a favela virou vila, ele acordava sempre às quatro e meia da manhã e seguia, às vezes com Pedrinho, até a Ceasa para comprar feijão verde para vender nos sinais de trânsito.
Antes do feijão verde, Emanuel vendia abacaxi, mas logo percebeu que alguns abacaxis machucavam no caminho e os que sobravam se estragavam com rapidez. Se ele não vendesse todos no mesmo dia, não era possível oferece-los no dia seguinte e, além do mais, ninguém compra abacaxi nos sinais. Os feijões duram mais e quando sobram, vão para a mesa ou podem ser vendidos durante vários dias, sem problemas.
Apesar da brilhante idéia de trocar abacaxi por feijão, Emanuel ainda não tinha sentido o prazer de comprovar a sua teoria. Há dois meses que ele pedalava, da Ceasa até o bairro do Espinheiro com um caixote cheio de feijão verde no bagageiro, parava em um cruzamento na Avenida Rosa e Silva e esperava o lucro chegar.
Gente fina come feijão, mas não o suficiente, na modesta opinião de Emanuel. Ele até mudou de ponto, mas vendeu menos ainda. Voltou para Rosa e silva. Lá pelo menos dava pra tirar o gasto. As sobras alimentavam a família, na falta de coisa melhor.
Às cinco e meia da tarde, Emanuel fechava a banca, era como ele costumava dizer, amarrava o caixote de volta no bagageiro e pedalava até a Vila do Iraque, onde por pior que fosse, encontrava o carinho da esposa e os afagos de Pedrinho e Cecília.
Mais um dia terminava e Emanuel andava preocupado com o futuro dos seus. Pedrinho já deveria estar estudando e Cecília precisava de boa comida para crescer saudável. Pensava ele em visitar algumas oficinas mecânicas, para ver se arranjava algum trabalho que lhe oferecesse um pouco mais de dinheiro e dignidade, mas ele sabia das dificuldades. Parou de estudar na sétima série e os seus quarenta e dois anos já pesavam. Emanuel não era mais um garoto e apesar de ser um ótimo mecânico, não carregava consigo muitas esperanças. Então seguiu da Rosa e Silva até em casa, pensando em um modo de sair do buraco.
Ao chegar perto de casa, Emanuel percebeu uma movimentação estranha entre as pessoas na sua porta. Ele saltou da bicicleta e correu para ver o que era. Quando enfim conseguiu passar pelos curiosos e entrar em casa, viu sua esposa segurando a pequena Cecília, aos prantos, dizendo que ela não respirava mais. Ele então a tomou em seus braços e correu para fora. A velha bicicleta logo se transformou em uma ambulância veloz, com destino ao hospital mais próximo.
Por sorte, a Vila do Iraque ficava bem próxima a um hospital público, chamado popularmente de Pan de Areias. Era o pesadelo de qualquer morador das vilas de verdade e dos conjuntos residenciais da redondeza, mas para Emanuel era a salvação.
Ele entrou correndo, segurando a pequena, fria e pálida nos braços. Logo no primeiro corredor, foi barrado por um segurança, que lhe disse com desdém que ele deveria preencher uma ficha e esperar a sua vez. O pobre homem tentou explicar de todas as maneiras que a menina não tinha muito tempo, mas foi tudo em vão. O segurança continuava irredutível. Emanuel entrou em desespero, correndo de um lado para o outro, aos berros, chamando a atenção de todos. Foi quando saiu de uma das salas uma jovem médica, que se comoveu com o sofrimento daquele pai e pediu que o segurança o deixasse passar. O homem desesperado aliviou-se, entregou a menina aos cuidados da jovem médica e esperou lá fora.
Depois de uma hora e meia de espera, Emanuel foi chamado para entrar na sala, onde sua filha descansava em um leito, com uma mascara de oxigênio que cobria quase todo o seu rostinho. A jovem médica explicou que Cecília teve uma crise muito forte de asma, resultando em uma parada cardio – respiratória, mas passava bem, porém não poderia voltar para casa porque outra crise poderia ser fatal. Emanuel perguntou quando a garotinha poderia voltar. A médica disse que sem um aparelho chamado nebolizador, a menina não poderia voltar pra casa em segurança. Emanuel tinha que conseguir aquele aparelho de qualquer maneira. A jovem medica falou com naturalidade que com quinhentos reais ele poderia comprar um bom nebolizador. Quinhentos reais era uma fortuna! Onde Emanuel conseguiria quinhentos reais?!
Enquanto Cecília dormia, Emanuel segurava a sua mão e rezava, pedindo aos céus uma solução para aquele pesadelo. Ele não dormiu. Pensando, pensando, pensando... Às sete e meia resolveu sair. A esposa devotada tomou o seu lugar ao lado do leito, onde jazia a menina. Emanuel não estava certo de muita coisa, mas sabia que não conseguiria quinhentos reais vendendo feijão. Pedalou sem rumo pela cidade e quando se deu conta, estava ele no cruzamento da Rosa e Silva.
Emanuel observou, com lágrimas nos olhos, as pessoas em seus carros de luxo, cheias de sorrisos e celulares. De repente a tristeza transformou-se e ira. Uma senhora que esperava o sinal fechar para atravessar, olhou para ele com pavor e escondeu a bolsa. Emanuel deixou-se levar pelo ódio, vendo naquela bolsa uma saída para o seu problema e um alívio para a sua revolta. Sem pensar, atirou-se sobre a senhora e tomou-lhe a bolsa. Ela gritou de pânico e ele congelou quando se viu cercado de carros por todos os lados. Correu para dentro de um supermercado cheio de gente, descalço, com uma bolsa de mulher na mão e logo foi interceptado por dois seguranças, que o detiveram com energia e chamaram a polícia.
Emanuel foi posto, como um ladrão, dentro da viatura e logo estava na delegacia, cercado de repórteres famintos por mais uma notícia para o telejornal do meio-dia. Uma das hienas, com um microfone na mão, perguntou por que Emanuel havia roubado a bolsa e ele timidamente contou para as câmeras tudo o que havia passado até ali. O relato de Emanuel, não comoveu ninguém. Ele foi encaminhado ao presídio, acusado formalmente de roubo.
Ao meio-dia, entre tantos outros crimes estava o caso do vendedor de feijão, foi como eles chamaram a historia de Emanuel. Ao fim da matéria, o apresentador do programa, um baixinho, com cara de poucos amigos, deu um conselho muito construtivo para Emanuel, que a essa altura já estava trancafiado em uma das celas imundas e superlotadas do presídio Aníbal Bruno. Dizia mais ou menos assim:

“Meu filho, por que você não pediu dinheiro a alguém? Por que não continuou vendendo seu feijãozinho? Roubar não vai resolver o seu problema, meu filho! Eu espero sinceramente que você, quando sair do presídio, não invente de se vingar. Não se revolte não, meu filho, que isso só vai ser pior pra você...”.

Certamente Emanuel não assistiu ao noticiário e não ouviu as sábias palavras do apresentador, mas ele sabe muito bem que não existe só uma vítima no caso do vendedor de feijão. Ele sabe muito bem onde estão os verdadeiros ladrões, que não pensam duas vezes antes de roubar a esperança de pessoas que possuem o dom de sorrir, mesmo quando não há mais o que esperar. Um dia eles transformarão aquela vila em um bairro, porque um título é muito fácil de ser mudado, difícil mesmo é mudar uma realidade.
Emanuel era pobre, mas não era burro.

Wednesday, January 24, 2007

Olhos estranhos

Valdemar parou em uma barraca de coco, de fronte a casa da cultura. Ainda eram 4:15 e ele não tinha pressa de chegar em casa naquele dia.
O Recife se apresentava bem vestido naquela tarde de Janeiro; de céu azul e brisa fresca, que em dias raros como aquele não se podia perder a chance de contemplar.
Valdemar caminhou até o pátio centenário e sentou-se em um banco vazio, com vista privilegiada para a Estação central. Era bonita de se ver. Por entre as árvores se via a cúpula proeminente no teto e nas extremidades os gigantescos gárgulas, esculpidos em metal com muito esmero.
O tempo parecia parado enquanto ele apreciava tão bela arquitetura e a certeza lhe caiu sobre o colo quando reparou no relógio da fachada e lá viu: 4:15. Valdemar admirou-se, desta vez mais do que quando só admirava, mas o que se há de fazer? Era só um relógio parado numa hora particularmente familiar.
Então esqueceu-se do tempo e decidiu olhar em volta, mas não foi preciso ir muito longe com seus olhos para outra vez admirar. Sentada num outro banco, ali adiante, estava ela. De pele branca e vestido lilás; De olhos azuis e cabelos longos e louros. Belíssima, tomando um coco.
Perdido em pensamentos, Valdemar se encheu de encanto e de interrogações. Perguntou-se diversas coisas, curioso por saber seu nome, de onde vinha, se já havia amado alguma vez e até se era ela de fato brasileira. Pois a moça levava consigo um ar, digamos, estrangeiro, principalmente em seu modo de olhar para as coisas.
Ainda as 4:15, no relógio da estação, a moça o fitou com aqueles olhos estranhos, levantou-se e seguiu, a caminho do metrô. Valdemar, hipnotizado, levantou-se logo e seguiu os passos pequeninos da mocinha de lilás.
Quando se deu conta, ele já havia passado a roleta e estava subindo as escadas, de encontro à plataforma. Ela seguia, a passos curtos, bem a sua frente e ele, a cada passo dela, sentia-se mais seguro em prosseguir.
Enquanto esperava o trem, Valdemar preferiu ser discreto. Tímido que era camuflou-se entre as pessoas e manteve-se distante, mas sem perdê-la de vista. Por mais que se escondesse a mocinha sempre o encontrava com o olhar e isso o fazia sentir um misto de prazer e de medo.
O trem alinhou-se na estação e os vagões abriram suas portas. Valdemar estava parado no fim da plataforma, mais perto do último vagão, onde sempre entrava menos gente. Ele a viu entrar e só depois embarcou também, junto com meia dúzia de pessoas as quais ele nem enxergava.
O vagão não ficou cheio, agora ficava mais difícil camuflar-se. Ela já havia escolhido uma cadeira na janela e ele escolheu um lugar que lhe parecia estratégico. De onde estava podia observa-la fingindo olhar a paisagem que passava do lado de fora. Paisagem esta que em dias comuns já não lhe enchia os olhos e hoje, menos ainda.
O trem seguia a toda, cruzando o subúrbio recifense. Valdemar fitava a mocinha, que mirava seus olhos estranhos para fora da janela, parecendo fotografar tudo o que passava por ela.
Valdemar penetrava cada vez mais naquele olhar e de tanto penetrar, viu-se como parte dele. Imaginou-se caminhando ao lado daquela pequena e sentiu-se até bem feliz ao ver que aqueles olhos também olhavam pra ele.
O mundo parou. O trem também. O maquinista anunciou a chegada na estação Ipiranga e acordou Valdemar de seu devaneio encantado. Ele voltou seus olhos novamente para onde não deveria ter desviado e ela continuava lá. Então a viagem prosseguiu e ele voltou a contemplar aquela beleza. Em nenhum momento Valdemar refletiu sobre o destino daquela viagem, ele apenas seguiu, como um trem desgovernado, com destino a lugar nenhum.
O medo não habitava mais o seu coração, sentia-se satisfeito em apenas olha-la e isso era o máximo que poderia sentir.
Novamente o trem parou. Veio o anuncio da estação de Sta. Luzia. As portas se abriram e a mocinha levantou-se delicadamente. Valdemar foi tomado pelo pânico, ele não sabia se seguia com ela ainda mais além ou se retornava satisfeito, com as lembranças da mocinha de lilás. Ela passou e lhe olhou nos olhos, como se fosse um sinal e como se não fosse o bastante, revelou a flor do seu sorriso.
Valdemar extasiou-se e só voltou a si quando viu as portas do vagão fechando-se, a fim de seguir viagem. Ele saltou atordoado e se deparou com a multidão frenética que descia a escadaria de encontro à rua. Sem pensar, ele desceu as escadas esbarrando nas outras pessoas que seguiam alheias ao seu drama.
De nada adiantou a pressa em chegar até a rua. Valdemar caiu de joelhos na calçada, se perguntando como aquela mocinha de passos curtos pode sumir diante dos seus olhos com tamanha destreza. Desolado, caminhou penosamente até o outro lado da estação, sentindo um vazio inexplicável em seu peito. O jeito agora era tomar o caminho de volta e pensar com força em sua pequena de olhos estranhos.
Não eram mais 4:15. A noite tingia o céu de negro e o recife já não estava mais tão bem vestido, quando no horizonte surgiram os faróis do trem que o levaria de volta à estação central. Valdemar agora só aguardava a hora da partida. Uma lágrima escorreu em seu rosto pálido e antes do trem completar o seu destino, Valdemar decidiu o seu. Deixou-se cair sobre os trilhos e esperou a sua vida se esvair. Como Ela.







Ao invés da dor, só a escuridão. Valdemar não entendeu muito bem o desfecho de sua estória. Sentia-se vivo, porém paralisado e cego. Tentou mover-se sem sucesso. Tentou abrir seus olhos, também em vão. Em fim, para sua surpresa, acordou no meio da praça Maciel Pinheiro, sentado no chão, em frente ao chafariz, vestido em farrapos e morto de fome.
O mendigo bestificou-se com o seu sonho. Isso mesmo, mendigo. Essa era a realidade depois de todo o torpor. Segurando em sua mão estava Ela. A mocinha de lilás tinha os mesmos olhos, mas ao invés do belo vestido e dos cabelos louros ao vento, ela trajava o hábito negro de freira e dizia ao mendigo:

_ Deus te proteja.

Só isso foi dito e o mendigo Valdemar entendeu tudo. A freira de olhos estranhos cruzou a rua e se foi, sentido Boa Vista.
Ele chorou porque sonhou o impossível e jurou nunca mais amar outra pessoa. Nem mesmo em sonhos.

Friday, October 27, 2006

Revoada.

Papai não era um homem de posses. Era um tipo clássico e ao mesmo tempo banal, daqueles que você quando vê, pensa: “Acho que já vi esse senhor antes... Não, não, nunca vi um velho como esse em toda a minha vida!”.
O velho Gregório de Matos Guerra, sim, como o poeta, que ao contrario do sátiro barroco, não carregava consigo poesia alguma... Aparentemente. “Carpinteiro, com muito orgulho!”, costumava dizer quando lhe perguntavam a profissão. Orgulho esse, que vinha da fé em Jesus Cristo e do amor imperecível pelas formas.
Morávamos em bezerros, no interior de Pernambuco. Cidade pacata e acolhedora, que presenteava seus habitantes com um céu azul, como só lá e uma brisa fresca que varava a madrugada até de manhãzinha.
O meu dia preferido em Bezerros era o domingo. Era o dia em que papai saia da cadeira de balanço, fazia a barba por completa, vestia seu terno branco (ele só usava branco) e ia ao mercado da cidade, comigo de um lado e a gaiola do outro.
Nela vivia O Canário, era assim mesmo que o velho chamava aquele passarinho, que na gaiola só parecia um passarinho, mas quando solto no terreiro de briga não perdia pra nenhum! Seu Gregório era conhecido em Bezerros como o velho que trocava canários de briga por cavalos, e não era boato não. Muitas vezes papai saia de casa a pé e voltava montado num alazão.
Eu cresci como espectador atencioso da simplória vida de meu pai. Com o tempo percebi que não eram só canários de briga. Quando se é menino não tem diferença, não tem canário nem pardal... Tudo é passarinho! Os anos passaram e na varanda de casa todo dia tinha um novo: Bem-te-vi, patativa, azulão, beija-flor... Os passarinhos mudavam, mas O Canário ele não se desfazia por nada nesse mundo. Era pra ele como eu. Como um filho.





Domingo, 24 de outubro de 78. Domingo como os outros, de céu azul e brisa de manhãzinha. Naquele dia os passarinhos pareciam ter saído em revoada, não havia aquela cantoria que me acordava todos os dias, sempre na mesma hora. Eles notaram antes de mim, que naquele domingo papai não se levantou da cadeira de balanço para se barbear e também não vestiu aquele seu terno branco. Aquele não era dia de ir à praça ver O Canário brigar.

E nunca mais foi...

Wednesday, September 20, 2006

ÍRIS.

Íris acreditava em reencarnação. Quando era ainda criança, seus pais passavam as férias num sítio no interior. Em suas nítidas lembranças, ela conseguia reconstruir as imagens, os sons e os seus cheiros favoritos deste lugar.
Filha única e de família grande, mas distante, Íris passava seus meses de férias praticamente sozinha, compartilhando suas dúvidas, seus desejos e se divertindo a valer com os cavalos, patos e leitõezinhos, que ela amava tanto.
Todas as manhãs Íris caminhava até os limites do sítio, de encontro às margens de um rio que cortava o terreno, sempre acompanhada por sua babá e por Pink, uma porquinha rosada que era o seu bichinho predileto, entre tantos que haviam lá. Era incrível a paixão da Pink pelo rio e de Íris pela Pink.
Numa dessas manhãs de sol ameno, dessas perfeitas para respirar o ar puro do campo, Íris tomou coragem para entrar no rio pela primeira vez, para acompanhar sua porquinha numa divertida brincadeira na água. Madalena, a babá, mesmo muito receosa, não resistiu por muito tempo aos pedidos chorosos da menina Íris e concedeu-lhe o direito de entrar no rio, desde que não saísse de perto da margem. A garotinha pulou nos braços da babá com um sorriso grato no rosto e logo estavam ela e Pink dentro d’água.
Madalena logo se sentiu segura, vendo que a garota nadava muito bem e lhe obedecia ao não sair da beira do rio. A água estava tranqüila e realmente não havia muito que temer. Deitou-se em uma enorme rocha na margem e de lá podia vigiar a pequena Íris, nadando feliz...


Madalena acordou sobre-saltada com os gritos de Íris. Procurou-a com os olhos, mas não conseguiu vê-la. Gritou desesperada por socorro quando pensou que a menina poderia ter se afogado, mas não ouviu nenhuma resposta ao apelo. O fato era que, se Íris ainda estivesse viva, dispunha de pouco tempo e ela, mesmo sem saber nadar, tinha que entrar no rio e tentar tirar a garotinha de lá o mais rápido possível.
Sem pensar, a babá jogou-se do rochedo e caiu nas águas escuras do rio sem se desfazer do seu longo vestido. Ao cair na água, sentiu o frio do pânico quando procurou o chão e não o achou. Moveu os braços e pernas com força e o mais rápido que pôde. Sedenta por um trago de ar.
A pobre madalena foi infeliz ao se jogar numa parte muito profunda do rio. Ainda conseguiu subir para respirar três ou quatro vezes, depois desistiu de viver.
Na outra margem, assistia á cena na sombra de uma mangueira a porquinha Pink no auge da sua irracionalidade...

Wednesday, September 13, 2006

O céu da tarde...

Agora com a chuva fina que não ofusca o crepúsculo, chego a fatal conclusão de que não sou um homem de sorte...
Mesmo contrariando a minha sensata consciência, comunico para mim mesmo de tal fato.
A minha vista da janela não parece mais a mesma...
Tudo agora se desbota, sem que eu possa controlar o rumo de meus olhos,
A hora que imaginei tardar, aparentemente abraçou-me antes do esperado e o meu dia agora se enche de amanhãs.

Fascinei-me pelos teus sonhos e fiz-me parte deles, mesmo sem saber se possuo o dom da metamorfose.

Veremos juntos o que será do outro dia, após o outro dia...
Relembraremos o ontem e o antigamente,
Chamaremos o hoje de “nosso tempo”
E talvez um dia dormiremos sorrindo, com a sensação de que não estamos sós...

A sorte não é amiga do homem, mesmo quando aparenta ser.
Tive sorte hoje, e amanhã me lanço aos braços dela, talvez por covardia, por que não me sinto capaz de fazer tudo sozinho...

...Ou talvez pelo simples fato de que para todo homem se destine um pedaço de céu...