Eu posso ser o Seu Demônio.

A Bailarina me disse que a Briza disse a ela: "Escrever é desenhar o que se sente..." A Briza estava certa!

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Location: Recife, PE

Sunday, May 07, 2006

O time do coração.

Quando entrou no metrô perecia transtornado, com as feições rígidas, aparentando tamanha preocupação. Nas mãos tremulas carregava um livreto de capa branca, era um manual de vendas de seguros, com um pequeno adesivo do escudo do seu time do coração.
Logo que encontrou um lugar vago, apressou-se em sentar, afrouxou o nó da gravata listrada em preto branco e vermelho, enxugou o suor que escorria em abundância de sua cabeça, já sem quase nenhum fio de cabelo, até o queixo com um lenço amarelado e velho que tirou do bolso do palitó e bufou.
Ernesto não estava nada bem naquela manhã, o clima quente e abafado do metrô estava o sufocando. A sua vontade era chegar o quanto antes na estação central e sair correndo (como se os seus cento e quatro quilos permitisse tal ato) de encontro à primeira banca de revistas que encontrasse.
Ao seu lado estava sentado um senhor com os seus sessenta e tantos anos, mas sobre este não vale a pena entrar em detalhes, pois logo se levantou e desembarcou na estação coqueiral. Este acento ficou vago por pouco tempo. Instantes depois sentou-se neste, um rapazote negro, baixinho e forte, com os cabelos crespos pintados de amarelo oxigenado, usava também um cavanhaque fino e tinha nas mãos um pequeno radio de pinhas no qual Ernesto ouvia disfarçadamente as notícias matinais, fingindo ler o seu manual de vendas. Suas mãos tremiam cada vez mais a cada manchete. Engoliu seco quando o locutor, que tinha uma voz feroz e rouca, anunciar que logos após o intervalo comercial começaria o programa “As boas do esporte”.
Durante esse tempo roeu todas as unhas das mãos, contou quantos postes haviam entre a estação Werneck e a estação Santa Luzia, por fim virou-se lentamente, com ar preguiçoso e um sorriso desconcertado a fim de puxar assunto com o baixinho:
_ Deveriam por ar condicionado em todos os metrôs que circulam, não? _ Indagou ele despindo o palitó marrom e colocando-o por cima da maleta que estava logo ao lado do seu acento, no chão. O baixinho olhou-o franzindo a testa e limitou-se em concordar com a cabeça.
_ Desculpa, mas... Você sabe o resultado do jogo do Santa Cruz contra a equipe do Flamengo? _ Ernesto não se conteve e a espera de uma resposta apertou as mãos com força, amassando o seu manual de vendas.
_ Não sei não ó... Acho que daqui a pouco vai dar no radio moço. _ Ele agradeceu essa inútil informação que o baixinho lhe dera com um sorrisinho sem graça, mais desconcertado do que o primeiro.
Os dois minutos de intervalo pareciam para Ernesto uma vida inteira se distraiu um pouco e voltou a si quando sentiu um a pontada aguda no dedo anelar da mão esquerda. Olhou para a aliança grossa e dourada, lhe veio à vaga imagem de Amália, sua esposa... Notou estar suando frio e empalideceu visivelmente ao ponto de chamar a atenção de outros passageiros ao seu redor, que o olhavam com espanto e curiosidade. Notando os olhares em sua direção, tentou mais uma vez disfarçar o que sentia, olhou para o relógio e já era quase sete... “Minha nossa, se eu não me controlar meu coração saltará pela boca e vai cair bem no colo dessa velha!” Pensou, apertando o livreto todo amassado contra o peito e olhando envergonhadamente para a velhinha com cara de beata que estava sentada em sua frente...
_ Finalmente! _ Exclamou ele, em voz quase alta. O baixinho virou em sua direção meio assustado, segurando o radinho com as duas mãos.
_ Finalmente... Estamos quase na estação central he he... _ Tentou, sem sucesso, remediar aquele ataque súbito de euforia.
Na verdade esse salto emocional se deu quando Ernesto ouviu a voz rouca do locutor dando início ás notícias esportivas.
“Caros amigos da rádio RÓDIA, 314 AM”! Estamos começando nessa quarta-feira, três de maio de mil novecentos e oitenta e oito, o meu, o seu, o nosso programa... As boas do esporte!! E para começar, iremos dar todos os detalhes do fiasco, é isso mesmo, meus amigos, fiasco da noite de ontem, onde a equipe do Santa Cruz entregou de mãos beijadas o que poderia ser o primeiro título nacional de uma equipe pernambucana na história!!
O jogo, se é que podemos chamar de jogo, amigos, aconteceu ontem à noite no estádio do Arruda contra a equipe do Flamengo, do Rio de Janeiro e tudo indica que o título foi comprado! O resultado da partida foi de 7 x 0, com dois gols-contra e outros lances extremamente duvidosos...”.
Ernesto quis levantar-se, percebeu no ato que “As boas do esporte”, para ele não seriam nada boas, porém o que poderia ele fazer? Saltar do veiculo em movimento? Tomar o rádio das mãos do baixinho e espatifa-lo no chão? Continuou lá, inerte, enquanto o locutor, fora de si, contava os pormenores do fiasco do seu time do coração.
“Isso é uma vergonha, camaradas tricolores”! Um clube com a tradição e o prestígio que possui o Santa Cruz futebol clube, se deixar corromper dessa maneira tão explicita?! É, meus amigos, esse jogo só pode ter sido um arrumadinho mesmo! Uma grande marmelada...”.
Ernesto não acreditava em seus ouvidos, “esse locutor só poder ter enlouquecido!” Pensava consigo. Era como se a paixão da sua vida tivesse o abandonado. Ele sentia a cabeça girar cada vez mais forte a cada grito rouco de indignação do exaltado locutor, até que chegou ao ponto de não entender mais nada daquilo. Para o caro leitor isso pode ser uma grande besteira, mas para Ernesto, para Ernesto isso era motivo de morte!
Entrou numa espécie de transe e só voltou a si quando foi anunciada a chegada do metrô na estação central. Ernesto ainda ficou sentado ali durante algum tempo, até que todos os passageiros desocupassem o vagão. O baixinho notando o transtorno do companheiro olhou-o com um olhar resignado e, sem poder fazer nada, deu-lhe um tapinha nas costas e saiu.
O pobre homem levantou-se lentamente, apanhou a maleta e o palitó e se dirigiu em direção a saída principal de estação. Caminhou cerca de vinte metros quando sentiu uma dor avassaladora no peito e o seu braço esquerdo adormeceu por completo. Estava a menos de cinqüenta metros da rua e foi forte o suficiente para caminhar penosamente até lá, mas não mais do que isso. Tombou, já de olhos fechados pela escadaria de acesso a rua e caiu debruçado no meio da calçada.



Ernesto enfartou... Ernesto morreu.

6 Comments:

Anonymous Anonymous said...

legal o jeito q tu abordou esse tema... gostei muito, vou sempre dar uma olhadinha por aqui.

valeu!

11:18 AM  
Anonymous Anonymous said...

e ai bixo!!

sabia q tu era cronista nao ó!

sou tricolor mas tenho q tirar o chapau hehehehe

legal!

11:18 AM  
Anonymous Anonymous said...

coitado do ernesto!
mandou p jornal meu amor?


te amo!

5:54 AM  
Anonymous Anonymous said...

kd? num tem coisa nova nao?

mostra ai!! :}

6:15 AM  
Blogger D ... said...

uau!!!

12:17 AM  
Anonymous Anonymous said...

ah! sou eu aí em cima.

12:19 AM  

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