Eu posso ser o Seu Demônio.

A Bailarina me disse que a Briza disse a ela: "Escrever é desenhar o que se sente..." A Briza estava certa!

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Location: Recife, PE

Friday, October 27, 2006

Revoada.

Papai não era um homem de posses. Era um tipo clássico e ao mesmo tempo banal, daqueles que você quando vê, pensa: “Acho que já vi esse senhor antes... Não, não, nunca vi um velho como esse em toda a minha vida!”.
O velho Gregório de Matos Guerra, sim, como o poeta, que ao contrario do sátiro barroco, não carregava consigo poesia alguma... Aparentemente. “Carpinteiro, com muito orgulho!”, costumava dizer quando lhe perguntavam a profissão. Orgulho esse, que vinha da fé em Jesus Cristo e do amor imperecível pelas formas.
Morávamos em bezerros, no interior de Pernambuco. Cidade pacata e acolhedora, que presenteava seus habitantes com um céu azul, como só lá e uma brisa fresca que varava a madrugada até de manhãzinha.
O meu dia preferido em Bezerros era o domingo. Era o dia em que papai saia da cadeira de balanço, fazia a barba por completa, vestia seu terno branco (ele só usava branco) e ia ao mercado da cidade, comigo de um lado e a gaiola do outro.
Nela vivia O Canário, era assim mesmo que o velho chamava aquele passarinho, que na gaiola só parecia um passarinho, mas quando solto no terreiro de briga não perdia pra nenhum! Seu Gregório era conhecido em Bezerros como o velho que trocava canários de briga por cavalos, e não era boato não. Muitas vezes papai saia de casa a pé e voltava montado num alazão.
Eu cresci como espectador atencioso da simplória vida de meu pai. Com o tempo percebi que não eram só canários de briga. Quando se é menino não tem diferença, não tem canário nem pardal... Tudo é passarinho! Os anos passaram e na varanda de casa todo dia tinha um novo: Bem-te-vi, patativa, azulão, beija-flor... Os passarinhos mudavam, mas O Canário ele não se desfazia por nada nesse mundo. Era pra ele como eu. Como um filho.





Domingo, 24 de outubro de 78. Domingo como os outros, de céu azul e brisa de manhãzinha. Naquele dia os passarinhos pareciam ter saído em revoada, não havia aquela cantoria que me acordava todos os dias, sempre na mesma hora. Eles notaram antes de mim, que naquele domingo papai não se levantou da cadeira de balanço para se barbear e também não vestiu aquele seu terno branco. Aquele não era dia de ir à praça ver O Canário brigar.

E nunca mais foi...